MODELO ANDRAGÓGICO :
APRENDIZADO PARA FAZER ACONTECER
Prof. Dr. Marcelo Augusto de Felippes
felippes@lia-inc.com
Introdução
Desde o início do século XXI, muitos pesquisadores de modelos educacionais concluíram que o sistema pedagógico não respondia mais plenamente às necessidades das pessoas adultas, principalmente àquelas que, através dos anos, foram assimilando conhecimentos e habilidades em diferentes áreas do saber. Ainda, e não menos importante, que as escolas e universidades não estão preparando os jovens para enfrentarem as difíceis ondas de mudanças e duras realidades dos negócios, assumindo a inovação como uma necessidade de sobrevivência. A mesmice cansa o estudante e o desestimula a buscar desafios que lhes trarão a maturidade necessária para caminhar na crescente competição e mutações mercadológicas e sociais.
A pedagogia foi aplicada à crianças e adultos, contrariando a própria origem que se refere à educação e ensino das crianças (do grego paidós= criança). Portanto, a própria palavra já não a recomenda para adultos.
No ensino fundamental, as crianças necessitam e aceitam o modelo pedagógico, entretanto ao entrar na adolescência, os questionamentos começam a ser mais freqüentes, incluindo os métodos e as pessoas envolvidas na aprendizagem. Nos últimos tempos, a telemática, sobretudo a Internet e as mídias sociais, vem turbilhonando ainda mais a visualização de futuro pela juventude pelos adultos em processo de consolidação no mercado ou em sua profissão, seja ela qual for.
O adulto, ao adquirir experiências, vive um conflito ao deparar-se com o modelo pedagógico. Aceita, muitas vezes, por disciplina, respeitando a autoridade e o método, mas se sente frustrado por não colocar no jogo da aprendizagem sua vasta bagagem de conhecimento, fruto de seus acertos e erros ao longo da vida. O adulto sabe o que quer e aonde quer chegar, pois tem consciência do que lhe falta agregar.
Em 1926, na Associação Americana para Educação de Adultos, o Professor Linderman, E.C. apresentou ao mundo uma pesquisa onde convidava os profissionais de educação a considerar profundas diferenças entre o ensino infantil e o adulto.
Entretanto, somente em 1973 foi que o Prof. Malcom Knowles definiu o termo Andragogia, como a arte e ciência de orientar adultos a aprender. E mais, a fazer acontecer.
O Exército Brasileiro, em 2003, implementou o GETRAM, uma pós-graduação latu senso baseada no modelo andragógico, como uma das metas do Programa de Excelência Gerencial, PEG-EB, daquela Instituição. Em 2017, a Universidade Católica de Brasília, em parceria com a Câmera Interamericana de Transportes, vem dando continuidade na evolução desse bem-sucedido modelo. O modelo possui características particulares e incomuns para a América Latina, as quais algumas delas serão apresentadas abaixo.
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS PARTICULARES DO MODELO ANDRAGÓGICO
Considerando que um adulto em uma aula ou atividade similar assimilam mais os primeiros 15 a 20 minutos em relação ao restante do tempo de aula, o modelo andragógico orienta o facilitador que este deve ocupar esses preciosos minutos iniciais para passar o foco do assunto a ser abordado. Daí por diante, o facilitador deve usar a participação dos alunos, que já foi anteriormente preparada e orientada por Fichas de Estudo Preliminar (FEP).
As FEP possuem uma característica diferente daquelas utilizadas no modelo pedagógico. Devem conter exatamente o que cada grupo de estudo, normalmente denominada organização, tem que pesquisar e apresentar. Com dia, hora e local bem ajustado, as tarefas das FEP devem indicar os temas com as fontes de consulta específica e genérica. As fontes específicas, de caráter obrigatório, são limitadas pela bibliografia, incluindo as páginas a pesquisar, não devendo ser genérica. As fontes genéricas devem estimular a criatividade e idéias inovadoras para a solução da tarefa. As organizações, obrigatoriamente, já se estruturam no whatsappou viber, bem como trocando números de telefones e endereços de e-mails entre si.
Incentiva-se a utilização de tablets, smatsphonesou computadores pessoais durante a aula, conectados à Internet, desde que sejam usados para acompanhar a aula, trazer dúvidas, curiosidades e, até mesmo, contradições que porventura surjam.
Os facilitadores, peça chave no modelo andragógico, devem conhecer e dominar muito bem os temas das tarefas e atualizar-se antes do dia da aula em que os alunos apresentarão as soluções das FEP. Durante a apresentação das soluções, o facilitador mantém o assunto dentro do foco e reforça e/ou complementa com os pontos mais importantes.
O conteúdo deve ser atual, ou seja, o que foi apresentado em um curso anterior, deve ser fonte de consulta para o próximo. O modelo andragógico não aceita repetição de idéias, apenas no que concerne as bases do tema, os quais estarão a cargo do facilitador no início de cada sessão.
O modelo andragógico solicita a inclusão de atividades interativas, tais como conferências, visitas, viagens de estudo, estudo de casos, tutorias, consultorias, seminários, simpósios, etc. Com a invasão no mercado de ensino das pós-graduações latu senso denominadas MBA, as quais em sua plenitude não adotam o modelo andragógico, muitas organizações e profissionais vêm encontrando dificuldade em assimilar ferramentas que lhes ajudem a melhorar seus desempenhos profissionais. Entretanto, em busca de um título que possua uma forte chancela na certificação, os MBA se tornaram um grande comércio, onde quem tem condições de pagar mais, terá a melhor chancela. Ao terminá-lo, o profissional se dá conta de que muito pouca ferramenta foi agregada. Agregar valor, condição impositiva do modelo, é uma parte importante do conteúdo programático de um curso que adota o modelo andragógico, o que demanda custos e extrema dedicação em pesquisa e tempo.
O modelo andragógico considera as aspirações pessoais de cada um de seus alunos, os quais na verdade estão buscando uma elevação social (salário, promoção, etc) e, em alguns casos, um determinado reconhecimento. Em conseqüência, as avaliações são secundárias e a colocação do aluno ao final do curso é o que menos importa. Portanto, neste modelo, a avaliação é um instrumento de acompanhamento para o facilitador e não há qualquer tipo de classificação ao final do mesmo.
Uma característica fundamental do modelo andragógico é o aperfeiçoamento das áreas cognitivas e emocionais. Portanto, o facilitador deve conhecer muito bem o perfil e o currículo de cada aluno. Igual a uma caldeira do tintureiro, o aluno começa o curso de um jeito, contudo termina de outro, mais maduro e integrado ao mundo que vive.
Além de várias pesquisas realizadas, a escola da vida tem ratificado que a gerência emocional é muito mais utilizada que a gerência cognitiva na solução das tarefas de uma organização. Portanto, o GETRAM é o primeiro do gênero a ser implementado no Brasil e segue as características particulares do modelo andragógico.
Este modelo aplicado em pós-graduações orienta seus alunos para que os Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), conforme estabelece a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e o Conselho Federal de Educação, sejam diferenciados, relevantes e factíveis. Em outras palavras, os TCC devem ter aplicação imediata e não permanecer arquivados em prateleiras, servindo tão somente de fonte de consulta. Portanto, as orientações e incentivos ao TCC começam desde o primeiro dia de aula. TCC que se destacaram em anos anteriores devem ser convidados a apresentarem aos alunos, a fim de que muito das barreiras sejam rompidas logo no início da interação andragógica.
Considerando os princípios apresentados por Knowles, várias pesquisas foram realizadas sobre o tema. Em 1980, Brundage e MacKeracher pesquisaram exaustivamente a aprendizagem aplicadas em adultos e identificaram trinta e seis princípios, bem como as estratégias para planejar e facilitar o ensino. Wilson e Burket (1989) revisaram vários trabalhos sobre teorias de ensino e identificaram inúmeros conceitos que dão suporte aos princípios da Andragogia. Cita-se, ainda, Robinson (1992), em pesquisa por ele realizada entre estudantes do ensino fundamental, comprovou vários dos princípios da Andragogia, principalmente o uso da experiências de vida e a motivação intrínseca em muitos estudantes.
Segue, abaixo, algumas das principais diferenças do aprendizado de crianças (pedagogia) e de adultos (andragogia):
Características da Aprendizagem
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Pedagogia
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Andragogia
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Relação Facilitador/Aluno
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Professor é o centro das ações, decide o que ensinar, como ensinar e avalia a aprendizagem
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A aprendizagem adquire uma característica mais centrada no aluno, na independência e na auto-gestão da aprendizagem.
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Razões da Aprendizagem
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Crianças (ou adultos) devem aprender o que a sociedade espera que saibam (seguindo um currículo padronizado).
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Pessoas aprendem o que realmente precisam saber (aprendizagem para a aplicação prática na vida diária).
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Experiência do Aluno
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O ensino é didático, padronizado e a experiência do aluno tem pouco valor.
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A experiência é rica fonte de aprendizagem, através da discussão e da solução de problemas em grupo.
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Orientação da Aprendizagem
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Aprendizagem por assunto ou matéria.
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Aprendizagem baseada em problemas, exigindo ampla gama de conhecimentos para se chegar a solução.
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Fonte: CAVALCANTI, Roberto A, Revista de Clínica Cirúrgica da Paraíba, Paraíba, 1999.
O modelo andragógico é recomendado para treinamentos em organizações, desde que os facilitadores estejam habilitados para esse fim. Tem sido muito comum o emprego do nome do modelo para cursos em alguns países, mas na prática conservam as principais características pedagógicas.
Em muitas organizações europeias (destaque para a Finlândia), asiáticas (destaque para a Coreia do Sul) e norte-americanas, que buscam implementar a excelência da qualidade na formação e aperfeiçoamento do ensino com extensão na vida profissional, esse modelo tem sido a tônica. Assim, por consequência, os funcionários são estimulados a reuniões periódicas onde são abordados os problemas nos setores e processos sob sua responsabilidade e discutidas as possíveis soluções, supervisionados, sempre que possível, por um facilitador, de maneira similar ao que viveram nas aulas andragógicas.
A organização em pequenos grupos e a utilização de todo tempo disponível são essenciais para que se atinjam os objetivos desejados. Para a solução de tarefas, são empregadas várias técnicas, como por exemplo, júri simulado, grupo de oposição, tempestade de idéias, dramatização, ressaltando-se a do DADO INIMIGO, que estimula e descontrai os participantes por ser um típico jogo onde facilitadores e alunos são colocados em igualdade de condições. Todos gostam de brincar... Portanto, dinâmicas que trazem integração, descobertas, movimentação, discussão, etc, são sempre muito bem-vindas.
Outra característica importante do modelo é a ação de despertar nos participantes a vontade de se manter atualizado de forma continuada e motivada, através de leituras técnicas, participação em eventos e etc. Após o término do curso, pelo que aconteceu durante 15 anos, esse grupo passa a se auto considerar uma família e reunir-se periodicamente, quando lhes provier, para tratar de diversos assuntos, principalmente aqueles de ordem social e profissional, ou mesmo, para comer um churrasco ou desfrutar de um happy hour. Isso é estimulado ao longo do curso na área emocional e ajuda a integração entre as pessoas e organizações, mas nada é obrigatório. Em princípio, participantes de cursos anteriores colaboram com os cursos futuros, mantendo uma solução de continuidade de comprometimento com a área em estudo.
O comprometimento de todos é imprescindível. Como num navio, todos chegam juntos no porto almejado. O facilitador durante as sessões presenciais, conduz, ativa e permanentemente, a energia do grupo para o foco e acompanha cada um dos participantes de forma individualizada, mas se dirige sempre ao grupo e não a um determinado membro do grupo. Usando a empatia ( do grego empátheia: entrar no sentimento), o facilitador permanece atento para tentar imaginar ou sentir o que cada aluno reage em diferentes situações e momentos. Ouvir realmente os sentimentos por detrás do que está sendo dito, numa completa sintonia emocional. Trabalhando a empatia, torna-se possível dominar os principais seqüestradores emocionais que mais dificultam o equilíbrio e harmonização do ambiente organizacional. Valorizando a experiência subjetiva de cada aluno, o facilitador busca manter o fluxo psicológico em todas as ocasiões, pois essa é a melhor maneira de canalizar as emoções a serviço do desempenho e aprendizado, ou seja, “ fazer o que se gosta e não sentir o tempo passar” . As emoções são positivadas, energizadas e alinhadas com as tarefas que estão sendo desenvolvidas. Vários exemplos que hoje influenciam a Sociedade e comportamentos de indivíduos podem ser citados, como o começo do Facebook. Inicialmente, era apenas para contatar alguns amigos e hoje está no mundo. Somente semeando o desejo de fazer acontecer desde cedo no jovem e fortalecendo em adultos é que se pode inovar como um Uber ou Cabify, os quais não possuem um só veículo e se tornaram lucrativos em várias partes do mundo. Ou Airbnb, que não tem nenhum um imóvel sequer em seu nome, mas é o que mais aluga em todo mundo. Rupturas como essas nasceram em ambientes em que o andragogismo foi incentivado, seja no ensino, seja na vida empresarial: pensar fora da caixa...
A disciplina é uma base impositiva. Respeitar horários e compromissos. Respeitar a todos e valorizá-los. Adultos não gostam de ficar embaraçados frente a outras pessoas. Não existe detrito absoluto, assinalava o romeno Virghuil Gheorguil. Toda idéia tem um valor. Ninguém é o dono da verdade absoluta, muito menos o facilitador. O uso de técnicas de aprendizagem e temas realísticos estimulam e ajudam a participação. Não se enfatiza protagonistas nas organizações, pois o próprio grupo vai eleger seu líder para cada situação. Os questionamentos são direcionados às organizações e seus componentes exercitam a combinar a resposta que irão dar. A responsabilidade é de todos.
CONCLUSÃO
Várias outras características particulares do modelo andragógico poderiam ser abordadas, entretanto foram comentadas algumas julgadas relevantes.
Muitos especialistas consideram que a partir do ensino médio e da graduação universitária, o modelo andragógico deve ir substituindo, paulatinamente, o modelo pedagógico na aprendizagem.
É comum confundir que tempestade de idéias e trabalho em pequenos grupos já caracterizam o modelo andragógico, contudo esse procedimento está muito longe de ser verdade. O treinamento dos facilitadores é fundamental e imprescindível. Um curso de extensão para facilitadores de modelo andragógico dura pouco tempo, mas exige extrema dedicação dos participantes e, principalmente, a quebra de um paradigma que muitos relutam em manter.
Em síntese, o modelo é aplicado em treinamentos ou cursos para adultos com experiências e que tenham características particulares de ser: a combinação de aprendizado emocional e cognitivo; atual; interativo; de alto grau de comprometimento pessoal e com a adição de valores; condicionado à individualidade de experiência e cultural; realístico; em fluxo psicológico e gratificante.
O facilitador constitui-se na peça chave e deve ser bem treinado para que, atuando como um catalizador de energia, conduza os participantes ao porto desejado.
Bibliografia:
CAVALCANTI, Roberto A, Revista de Clínica Cirúrgica da Paraíba, Paraíba, 1999.
GOLEMAN,
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